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Um Mar de Pensamentos

... nasce do desejo inconstante de partilhar um pouco de mim e do que sou numa espécie de diário. Resumo-me em: Maria, 32 anos, signo gémeos, amante de livros, sonhadora, romântica, dramática q.b., viciada em chocolates.

Um Mar de Pensamentos

... nasce do desejo inconstante de partilhar um pouco de mim e do que sou numa espécie de diário. Resumo-me em: Maria, 32 anos, signo gémeos, amante de livros, sonhadora, romântica, dramática q.b., viciada em chocolates.

Dia Três. Livro subvalorizado.

E, ao terceiro dia, a minha escolha literária vai para um livro de cariz religioso da autoria de um escritor portugueses. Não sendo católica, nem judia, muçulmana ou professando outra religião - sou agnóstica, ou seja, não acredito nem deixo de acreditar num Deus, simplesmente opto por acreditar no que considero justo e correcto e não nas imposições religiosas - sempre me interessei pelos temas religiosos. O motivo? Compreender o que leva tantos milhões de homens e mulheres a acreditarem e seguirem valores e crenças impostas por outrem que nunca olharam. A conclusão? Continuo sem compreender, é um verdadeiro enigma por desvendar. Mas, adiante...

 

Luís Miguel Rocha, nasceu na cidade do Porto. Publicou seis obras de cariz religioso, traduzidas em trinta línguas. O Último Papa, lançado em 2006, marcou presença no top da The New York Times, com mais de meio milhão de livros vendidos. Morreu, vítima de doença prolongada, em Viana do Castelo, a 26 de Março de 2015. 

 

Não me lembro de, em algum momento, falarem de Luís Miguel Rocha ou dos seus livros. Não me lembro de nenhum canal de televisão, revista ou blogue o mencionar. Conheci-o pela minha eterna curiosidade, certa vez na bertrand e enquanto procurava outro livro, pelo chamamento religioso: título e sinopse apelativos. Tomei conhecimento da sua morte pelo online Diário de Notícias, a meio da tarde e, não me recordo de ter existido uma menção à sua morte nos meios televisivos. 

 

A Filha do Papa

Luís Miguel Rocha

  

A Filha do Papa foi o primeiro livro que li dele. Uma leitura viciante e cativante, um enredo bem trabalhado de amor e ódios, intrigas e mortes, paixões proibidas e segredos. Um policial religioso que chocou a minha mãe, quando percebeu o título e o conteúdo do livro, bem como mais algumas almas católicas da minha zona, capaz de nos levar a reflectir sobre a Igreja Católica e o seu lado oculto. Nesta obra, conhecemos o Papa Pio XII que, Luís Miguel Rocha afirma ter tido uma filha de uma freira, é amado e odiado pela Igreja Católica. O seu pontificado aconteceu aquando dos ataques de Adolf Hiltler aos judeus e não se conhece com exactidão a postura tomada por este Papa e pela Igreja relativamente ao Holocausto.

 

Considero, portanto, a escrita e obras de Luís Miguel Rocha subvalorizadas pelos meios de comunicação social. Bem sei que este género de livros não atrai todos, sobretudo num país tão profundamente católico mas, livros e escritor mereciam bem mais do que remetidos ao desconhecimento. 

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O desafio literário foi-me sugerido pela Magda. A ideia é, nos próximos quarenta e três dias, todos os dias, à mesma hora, falar-se sobre livros, respondendo às questões sobre o universo dos livros. O objectivo do desafio é simples: se por um lado, consiste numa de gostos e experiências sob o mundo dos livros, por outro, este desafio leva-nos-à a pensar e a reflectir sobre os livros que já lemos. Nos próximos quarenta e três dias, neste blog, falar-se-à maioritariamente de livro. Não se esqueçam de visitar a Magda e conhecer as suas escolhas literárias.  

O Eu e a religião...

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Não sou religiosa. Creio que nunca o fui. Frequentei dez anos de catequese, fui baptizada, fiz a primeira comunhão, comunhão solene e crisma, frequentei anos e anos de igrejas, um colégio católico e, ainda assim, sempre tive dificuldades em acreditar no que me imponham. Cheguei, apesar de tudo, a ser convidada para catequista, não porque alguma vez tivesse mostrado o oposto e refilado - como a minha irmã mais nova - com os ensinamentos que a catequista nos imponha, mais bem, gostava de passar despercebida. Fui convidada porque, queriam renovar o leque de catequistas, aproveitando os jovens que terminavam dez anos de catequese, próximos dos mais novos. Recusei. Não disse à freira os verdadeiros motivos porque, achava que tal seria mau sinal, por respeito - foram dez anos a pregar e, ainda assim, acabava de formar uma não-religiosa - disse-lhe que não tinha tempo, que precisava de ajudar os meus pais no negócio de família. Do grupo de sete, três aceitaram a proposta, sendo que um deles é hoje padre.

 

Na verdade, creio que existiu uma fase em que acreditava, uma fase em que ouvi-a dizer que tínhamos de acreditar ou Deus castigava. Durante anos tive medo desse Deus castigador, que catequistas, mãe, avós e algumas tias falavam, o mesmo que elas diziam amar todas as crianças e que tudo sabia e olhava. Tinha-lhe tanto medo como tinha medo das agulhas - algo que ainda hoje dura. Ou, o mesmo medo que tinha quando sabia das minhas negativas a matemática e inglês... sabia sempre que levaria negativa, ano após anos e, ainda assim, o medo persistia e, nunca soube exactamente porquê. Talvez da reprimenda dos país ou das supostas aulas de apoio nunca chegaram a acontecer. Nos meus treze ou catorze anos, admito, era algo ingénua e medricas.

 

Com o tempo, comecei a tomar as minhas próprias decisões. No ensino secundário excluí a disciplina da religião e, fiz finca-pé à minha mãe... disse-lhe que não iria mais à Igreja, bastaram-me dez anos seguidos de catequese. Na época, tive inúmeras discussões com ela mas, para meu alívio, o meu irmão - temos diferença de ano e meio de idade - também se recusou a ir à Igreja. Obviamente que não aceitou de bom grado e, ainda hoje, anos depois, continua a batalhar para que ambos regressemos à Igreja... a única coisa que ainda me consegue fazer é beijar a Cruz na Páscoa - coisa que não gosto, logicamente, beijar uma Cruz onde tantas bocas já passaram antes mas que, por respeito a ela, acabo por fazer. Para ela, é-lhe um enorme desgosto que não siga os seus passo, que não acredito, que seja contra, que não vá à missa. É-lhe difícil aceitar, bem sei mas, também não me parece justo ou correcto acreditar hipocritamente em algo que não consigo acreditar. No fundo, sei que têm uma certa esperança que algo ou alguém me leve para o caminho do catolicismo...

 

Não sei muito bem em que altura deixei de acreditar em Deus e na Igreja Católica. Foi gradual. Não aconteceu de um dia para o outro, apenas gradualmente. Provavelmente, quando comecei a tomar consciência do mundo que me rodeava. A perceber que não fazia sentido fome, sofrimento e guerras com aquilo que a Igreja pregava. Quando a freira dizia que Deus sabia sempre o que fazia e eu me perguntava se, para ele, não chegavam as humilhações e gozos que sofri durante anos na escola. Ou, porque se excluía da comunhão um divorciado... Provavelmente, comecei a perceber que nada daquilo fazia sentido nas aulas de Sociologia quando, a professora nos obrigava a debater as religiões, a conhecer, a pensar. Dizia ela que, para sermos bons cidadãos, tínhamos de saber pensar e duvidar de tudo o que nos era imposto. Talvez tenha sido a Sociologia, aquela professora e aquelas aulas que me fizeram ver que, na verdade, sempre duvidará.

 

No fundo e para escrever verdade, eu acredito em algo... não é nem Jesus, Alá ou na Tora. Não sou muçulmana, nem católica ou judia, nem budista ou coisa semelhante. Não sou menos humana por não acreditar. Acredito, acima de tudo, na igualdade, no respeito, na paz e no amor. Rego-me pelos meus próprios valores, encontro no mar a paz que necessito e, em parte, a esperança que muitos dizem encontrar na Igreja. Acredito no destino, em que nada acontece por acaso, na vida. Não quero, nem vou impor aos meus filhos uma religião. Tenho a minha própria fé, a minha própria religião. Não os vou obrigar a frequentar uma catequese, como tantos pais fazem e que, crianças de tenra idade não conseguem compreender. Quero que, sejam livres de pensar, de escolher, criticar e conhecer... 

 

Creio que, o problema é mesmo esse das religiões... acreditamos em tudo o que nos dizem, sem pensar, sem duvidar, sem levantar questão. E, já nem falo daqueles falsos cristãos do olha para o que diz a Igreja, mas não olhes para o que eu realmente faço ou prático. Seguimos uma religião porque é imposta, porque é a vontade da família, porque fomos educados assim ou, simplesmente, porque sempre foi assim . Na verdade, somos mais um número de uma religião e carneirinhos que em tudo acreditam.. 

"(...) as famílias seculares apresentam muito mais solidariedade e proximidade emocional entre pais e filhos, com padrões éticos e valores morais sendo passados para as próximas gerações. Segundo o professor, “muitos pais não religiosos eram mais coerentes e envolvidos com seus princípios éticos que alguns dos pais ‘religiosos’ em nosso estudo. A maioria parecia viver vidas plenas caracterizadas por uma direcção moral e um sentido de que a vida possui um propósito. As famílias seculares têm seus próprios valores morais e preceitos éticos, entre eles a solução racional de conflitos, autonomia pessoal, livre-pensamento, rejeição de punições corporais, um espírito de questionar tudo e, principalmente, empatia. (...) No cenário internacional, países democráticos com os menores níveis de fé religiosa são também os que têm as menores taxas de crimes violentos e gozam de bem estar social relativamente alto."

(in HypeScience)

No presente, já não tenho receio em manifestar a minha opinião. Tenho a minha própria fé e agarro-me à esperança quando julgo que a vida me vai magoar. É nisto que acredito. Partilho-a, mesmo quando me mandam calar, partilho-a sem qualquer receio. E, quando me dizem, Deus ainda te vai castigar por duvidares dele, simplesmente respondo que, julgava que ele era um ser de amor e não de castigos.

 

* (e, em alguns casos, por uma aparente vaidade. porque é bonito, porque fica bem aos olhos dos demais e blablabla... e, pronto, agora espero pela chuva de comentários de toda a espécie)

Gestos que valem mil palavras,

 

"Sou muçulmano. Sou rotulado de terrorista. Eu confio em ti. Confias em mim? Dá-me um abraço!"

 

* (retirado daqui)

9 | Da minha estante... A Menina Que Fazia Nevar.

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 A Menina Que Fazia Nevar é, provavelmente, um dos livros mais bonitos que li até hoje. Uma história tocante e sensível, curiosa e diferente. Uma agradável surpresa onde temas como a religião, solidão, fanatismo e o bullying se misturam com o amor, a fé, o perdão e a imaginação. 

 

Judith é uma menina de dez anos que vive com o pai numa pequena cidade. Não tem amigos e é constantemente agredida, física e psicologicamente, pelos colegas. O pai, um homem de grande fervor religioso, trabalha numa fábrica e rege os dias da família segundo os mandamentos religiosos. Todos os dias ao regressar a casa, Judith e o pai, rezam e analisam textos da Bíblia. Pai e filha, atrevo-me a dizer, são dois desconhecidos que apenas falam de Deus e dos seus ensinamentos. Por conseguinte, os dias de Judith são passados na solidão do seu pequeno quarto. Nele construiu um pequeno mundo em miniatura, através de restos de lixo, que apelidou de Terra de Leite e Mel. Judith acredita que faz milagres quando, pela primeira vez, fez nevar no seu mundo em miniatura e, na manhã seguinte, a pequena cidade se vestiu de branco em pleno mês de Outubro. Judith acredita, igualmente, que fala com Deus.  

 

A Menina Que Fazia Nevar despertou, em mim, um turbilhão de sentimentos: ora de revolta pela forma como Judith é tratada pelos demais, ora de querer entrar no livro e acordar o pai do mundo religioso, ora de reflexão sobre os perigos do fanatismo religioso... e, se de facto todos seguíssemos os mandamentos da religião, independentemente de qual seja a religião, o Mundo seria um lugar extremamente difícil de se viver. Aliás, quando entregamos e vivemos mediante o que interpretamos de um livro, corremos o risco de sermos meros fantoches e de arrastar os demais, sem conseguirmos viver e aproveitar os dias. 

 

O livro esta repleto de questões e momentos de reflexão. Os milagres e poderes que Judith fala - para mim, golpes de sorte ou traçados pelo destino - leva-nos a reflectir sobre eles, mostrando-nos quem têm a força para os concretizar: nós? Deus? ou ambos?. Outra questão que fica em aberto: será, de facto, que Judith falava com Deus ou seria algum transtorno psicológico da menina?

 

Grace McCleen escreve de forma cativante e ponderada, uma escrita que nos vicia e não nos permite abandonar a leitura... uma escrita que nos troca as voltas.

 

Comprei A Menina Que Fazia Nevar, como anteriormente referi aqui, por me recomendaram. Mas, não só... A capa é extremamente cativante, embora goste mais desta (a versão brasileira, mais próxima da realidade do livro), bem como pelo título e sinopse. Não sendo eu de modo algum crente ou ligada à religião - aliás, tenho uma visão um pouco radical das religiões que, acredito, serem o grande problema de quase todos os conflitos - estes temas, de cariz religioso, sempre me interessaram, especialmente aqueles com pitadas de polémica (como, A Filha do Papa de Luís Miguel Rocha). Ainda assim, este livro tornou-se inesquecível... especialmente, pela reviravolta que sofre.

 

A Menina Que Fazia Nevar de Grace McCleen é uma leitura que recomendo a judeus, cristãos, muçulmanos e qualquer religioso, a cépticos e não crentes.

 

(mais informações sobre o livro em Editorial Presença)