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Um Mar de Pensamentos

... nasce do desejo inconstante de partilhar um pouco de mim e do que sou numa espécie de diário. Resumo-me em: Maria, 32 anos, signo gémeos, amante de livros, sonhadora, romântica, dramática q.b., viciada em chocolates.

Um Mar de Pensamentos

... nasce do desejo inconstante de partilhar um pouco de mim e do que sou numa espécie de diário. Resumo-me em: Maria, 32 anos, signo gémeos, amante de livros, sonhadora, romântica, dramática q.b., viciada em chocolates.

Do excesso de peso e da aceitação.

Não é fácil aceitar aquilo que somos. Uma frase, um momento, uma pessoa ou tudo isto junto e deixamos que sejam os outros a controlar a nossa vida, o modo como nos vemos. Não é fácil aceitar que temos peso excesso de peso ou peso a menos, que temos acne ou outro problema de saúde que marcam o nosso aspecto exterior perante os demais. Nada disto é fácil.

Durante anos tentei lutar contra o excesso de peso e problemas de acne. Anos em que foram os outros quem dominaram a forma como me via ao espelho. Eu sabia que era gorda, com excesso de borbulhas e uns óculos terrivelmente feios. Eu sabia disso e diariamente lutava por ultrapassar. Fiz de tudo para melhorar os dois primeiros, já que sem óculos não podia andar. Dietas, tratamentos, exercícios, cremes. Começa, nunca terminava. Havia sempre um momento, entre o começo e a desistência mais forte que eu. Um comentário, um gesto, algo. Adormecia a chorar. Quis desistir de mim. Estava farta dos comentários alheios, do nunca vais ter um namorado ou és tão feia que custa a olhar. 

Porém, um dia, alguém me disse que antes de tentarmos mudar por alguém temos de mudar por nós... primeiro por mim e nunca pelos comentários destruidores dos demais. Deixei os óculos, passei a usar lentes. Perdi algum peso, não tanto quanto desejava, mas passei a controlar-me melhor e a evitar que a balança ultrapasse os três dígitos. Não resolvi o problema do acne, mas consultei um especialista e notei como o meu rosto se tornou mais limpo de borbulhas... 

No passado evitava a todo o custo ir até a uma praia. Inventava desculpas. Mil e umas. Tinha medo dos olhares, achava que todos me olhavam porque estava ali uma gordinha... olha a gordinha. Sabia que perdia excelente momentos na companhia dos amigos, mas como ultrapassar os complexos? Não é tarefa fácil. Não acontece do dia para a noite. É algo trabalho, dia a dia, semana a semana, ano a ano. A primeira vez, em anos, que voltei a ir à praia, achava que todos me olhavam. Escondia-me. Achava que todos comentavam. Aos poucos e poucos, ultrapassei este e outros receios... Já não sinto necessidade de me esconder num fato de banho terrivelmente feio. No ano anterior, consegui comprar e usar (a medo, confesso) um biquíni; este ano, via internet, comprei um lindíssimo... e não tive tanto medo de ir à praia.

Não é fácil aceitar aquilo que somos. Raramente alguém se apaixona por outra pessoa extremamente magra ou extremamente gorda. Raramente alguém se preocupa primeiro com a beleza interior e só depois a exterior. O primeiro interesse surge pelo lado exterior e, só com o tempo, pelo interior. Mantenho os meus medos. Tenho um medo terrível da solidão e medo que seja o meu peso a mais que me condene...

Não é fácil aceitar como somos. Não existem estratégias ou formas milagrosas de o conseguir. Depende de nós, somente de cada um de nós... lutar, persistir, batalhar e aceitar. Aprender a aceitar que não nascemos com o corpo das divas de Hollywood ou de uma Jennifer-qualquer-coisa e, até mesmo elas, lutaram e trabalharam por ele (é claro que, com tanto dinheiro, o caminho é mais fácil)... ninguém possui um corpo perfeito e ele depende de quem o olha... e, demore o tempo que demorar, aprender a aceitar...

 

A Joanna já se consegue divertir numa praia de biquíni. Eu, para lá caminho. Ando a tentar aprender...

Pretty hurts.

Nem todas as músicas nos tocam da mesma forma. Umas nos tocam mais do que outras, outras embora gostemos não nos dizem nada. Tudo depende do momento em que as ouvimos, do nosso estado de alma, da forma como nos toca. E, nem sempre precisamos de entender a língua para entendermos o refrão. 

Nunca fui muito boa com o inglês mas depressa entendi o quão me dizia esta música...

A beleza dói. A beleza cansa. A beleza irrita. A perfeição é uma constante imperfeição.

Quantos de nós já não se deixaram ir abaixo com um comentário, mesmo que sem intenção, sobre o nosso aspecto físico? Quantos de nós, em algum momento, não se consideraram donos de uma má beleza? Quantos de nós, ainda hoje, não procuram a perfeição do corpo?

A beleza é sinónimo de dor. Somos educados para um estereótipo de beleza e de perfeição que machuca no corpo e na alma,

 

Mama said, you're a pretty girl

What's in your head it doesn't matter

Brush your hair, fix your teeth

What you wear is all that matters

(...)

Vogue says

Thinner is better

 

Dirão que não agradamos a gregos e a troianos. Dirão que aquilo que é feio para mim, para outro será belo. Dirão que nunca se atingirá a perfeição. Mas, pergunto, quem nunca chorou ou pensou que não seria suficientemente bonito ao olhar de outrem? Pergunto, quantos de nós nunca invejaram a perfeição que julgamos ver no corpo de outro alguém? 

 

Ain't got no doctor or therapeutic that can take the pain away

The pain's inside

And nobody frees you from your body

It's the soul that needs surgery

It's my soul that needs surgery

 

A perfeição não existe, bem o sei, mas todos, de uma maneira ou de outra, procuramos alcançar uma beleza perfeita. Fica a pergunta,

 

When you'r alone all by yourself

And you're lying in your bed

Reflection stares right into you

Are you happy with yourself?

A primeira etapa.

Vamos lá por partes: o facto de eu ter excesso de peso não significa que seja por excesso e abuso de doces. Nem todas as pessoas com problema de peso precisam de manter um grande problema com os doces, mas sim, com a comida em geral. 

Não sou daquelas meninas que se empanturra (embora já o tenha sido) de bolachas, pipocas, bolos, gelados e tudo o que haja de mais doce... ou que coma leite condensado e nutella às colheres. Também não sou daquelas que se excede nas comidas fast-food. A última vez que comi a chamada comida de plástico faz um ano.

Aliás, confesso, sou esquisita na comida. Tudo o que seja diferente do habitual é olhado de lado e com desconfiança. Caso a apresentação não me agrade, esqueçam, não me convencem. Sim, porque os olhos também comem. 

O meu ponto fraco é, inevitavelmente, o chocolate. Posso passar meses sem comer, mas sou menina para comer uma tablete todos os dias (basta sentir-me deprimida com o facto de estar sozinha - amizades - ou não conseguir um trabalho). É isso e ser, sem sombra de dúvidas, uma preguiçosa. Sou muito, mas muito preguiçosa.

Gosto de andar de bicicleta ou de fazer caminhadas mas, o primeiro que faça algo de modo a sair de casa... huy... sim, sou assim. Portanto, o meu problema é abusar no consumo de chocolate e dar-me para a preguiça.

Não é fácil aceitar que temos um problema e esse é precisamente o primeiro passo a dar para mudarmos a forma como nos vemos.

Já referi que, durante anos fui a patinha feia e gordinha da turma, sempre colocada em segundo lugar, a última a ser escolhida nos jogos em equipa. Para além de ser a gordinha, usava óculos fundo de garrafa, aparelho e um grave problema de acne (hoje, com 25 anos, ainda se mantém, embora em muito menor grau). Não só não aceitava que tinha um problema de peso, como também não aceitava os restantes problemas e, assim sendo, sem acreditar em mim, a comida tornou-se no primeiro refúgio. Ainda tentei forçar o vomito (porque na altura uma suposta amiga convenceu-me dos seus benefícios) depois de me descarregar na comida toda a minha raiva mas depressa percebi que não era a solução: ficava com a cara machada de vermelho e, ao fim de uma semana, a minha mãe deu conta de que todas aquelas marcas não eram somente de acne, oferecendo-me uma carga de porrada se descobrisse que andava a vomitar de forma propositada. Os meus excessos fizeram com que a balança aponta-se para três dígitos com apenas 18 anos. 

A entrada na universidade foi (provavelmente) o incentivo que me faltava, embora não da melhor forma: longe dos pais, fazia as refeições que queria e longas caminhadas para conhecer a cidade. Num ano perdi tanto peso que o meu pai julgou que ficaria doente. 

Porém, à medida que conheci a cidade, deixei-me de caminhadas e tornei-me preguiçosa... em vez de ir a pé, ia de autocarro. Nessa altura ainda meti na cabeça que ia para um ginásio. O facto de estar a pagar por algo era o meu foco de motivação (ainda não o referi, mas sou algo forreta com gastos supérfluos). Desisti da ideia quando descobri que o mais barato era frequentado por todo o tipo de pessoas, alguns para manter longe (segundo referencias da T., que conhecia a cidade). Actualmente, o único ginásio que existe na "santa terra" é extremamente caro e frequentado por altos elementos da "santa terra", portanto, prefiro manter-me nas caminhadas.

Felizmente, a "santa terra" é risca em paisagens atraentes e em diversidade e é isso que me vai motivando. Preciso sempre de algo que me motive. Todas as manhãs (bah, quase todas) lá vou eu, de fones nos ouvidos, a caminho do mar. Falta-me uma bicicleta e seria ainda mais feliz. 

Para a maioria das mulheres da minha idade, a motivação é entrar num biquíni no verão. No meu caso é vestir certas roupas sem parecer um saco de batatas com pernas. 

O primeiro passo é assumir que temos um problema e saber como contornar. Ninguém disse que seria fácil. Tenho dias em que o nego os meus problemas, outros em que só me apetece desistir e aceitar aquilo que sempre tive e, outros, ainda, em que não me vejo com problemas de peso. Eu acredito que ninguém escolhe ter excesso de peso, muito menos ser obeso (excepto esta), que são uma série de factores que nos deixam sem noção da nossa própria condição... mas, cabe a cada um de nós fazer o que estiver ao nosso alcance para o mudar. 

Estou na primeira etapa, é tempo de passar à segunda. Não posso viver eternamente como uma vítima das circunstâncias que vivi.

Agora fui... para a minha caminhada até ao mar.

Volta e meia alguém me diz...

Tens umas pernas jeitosas, embora gordinhas, mas são umas pernas boas!

 

Detesto quando alguém me diz isto. Eu já o sei, não necessito de uma alminha a relembrar-me do mesmo. Basta começarem a falar nas minhas pernas para eu desejar um cantinho onde me esconder.

Porém, à uns dias na estação do comboio, um casal de idosos meteu conversa comigo usando as minhas pernas como um dos argumentos. Sim, um dos motivos foi as minhas pernas e algo do género:

 

Oh menina, desculpe mas a não entrou em X? É que eu lembro-me de si porque até comentei com o meu marido que tinha umas belas pernas embora gordinhas.

 

Simpáticos... amorosos... e eu desejando atirar-me à linha do comboio! Respondi educadamente que não, que tinha entrado um pouco antes mas que era engraçado o comentário porque passava a vida a ouvir isso. O senhor, embora não parasse quieto andando de um lado para o outro, prestava atenção à conversa ao qual me diz:

 

Mas uma menina tão bonita, simpática e jeitosa certamente que têm namorado! Onde é que ele está agora?

 

Confesso, adorei-os! Disse-lhe a verdade, que não tinha namorado, ao qual a idosa esposa me responde algo como:

 

Os jovens de hoje em dia andam todos muito cegos! No meu tempo a menina já estava casada e muito bem casada... Deixe lá menina, um dia há-de o encontrar!

 

 

Geralmente, comentários sobre as minhas pernas deixam-me muito mal disposta mas, naquela tarde, aquele casal amoroso de velhotes deixou-me incrivelmente alegre e confiante. Acredito na verdade de quem já viveu anos, na maturidade e serenidade que a vida lhes ensina. Acredito nas palavras humildes e sincera daquela divertido e descontraído casal.

Um dia, quando for grande, quero ser assim... quero que sejamos assim... porque acredito nas palavras daquela idosa senhora.