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Um Mar de Pensamentos

... nasce do desejo inconstante de partilhar um pouco de mim e do que sou numa espécie de diário. Resumo-me em: Maria, 32 anos, signo gémeos, amante de livros, sonhadora, romântica, dramática q.b., viciada em chocolates.

Um Mar de Pensamentos

... nasce do desejo inconstante de partilhar um pouco de mim e do que sou numa espécie de diário. Resumo-me em: Maria, 32 anos, signo gémeos, amante de livros, sonhadora, romântica, dramática q.b., viciada em chocolates.

A ousadia de lutar pela vida... é fácil falar quando não somos nós.

É fácil falar quando, um dia atrás do outro, um tecto nos protege das intempéries da vida. Um tecto que protege os nossos dias recheados de pequenos nadas aos quais pouco valor lhe atribuímos, um tecto onde abrigamos os pequenos nadas que recheiam as nossas vidas, um tecto repleto de coisas singulares e rotineiras. 

 

É fácil falar quando o estômago não reclama as longas horas sem o sabor dos alimentos (a não ser, claro, quando por puro capricho, impingimos dietas loucas). Alimentos que facilmente encontramos ao simples virar de esquina, numa rua mais longínqua, numa avenida movimentada. Reconfortamos o estômago rapidamente com um qualquer alimento para nós insignificante e banal (e, ao qual, muitas vezes nos damos ao luxo de desperdiçar): uma peça de fruta, uma fatia de pão, um pedaço de chocolate.

 

É fácil falar quando todos os dias caminhamos com a certeza de um mais um dia igual ao anterior. Sabemos para onde vamos, de onde vimos, o que iremos fazer. Um emprego, por mais chato que seja, é algo que preenche os dias e atribui conforto à vida mas, e quando isto falha?

 

É fácil falar quando nascemos e vivemos num cantinho de mar, terras verdes e clima ameno. Um pais onde ser-se mulher (apesar de diversos nãos) é fácil, onde ser-se criança é significado de liberdade, onde o somos livres para escrever e dizer o que quisermos sobre nós, os outros, o mundo. Um pais que não conhece a morte pela guerra, a tortura pela guerra, o medo pela guerra, a fome pela guerra... o tudo que a guerra envolve um pais. 

 

É fácil falar e alcunharmos quem ousa lutar pela vida de terrorista. Homens e mulheres a quem a religião, para lá de toda a desgraça das suas vidas, os rótulas de terroristas por ambicionarem fugir das almas fanáticos que lhes roubaram o vida, o pais, a fé. 

 

É fácil falar quando por entre goles de café (ou de outra coisa qualquer), no conforto do lar ou numa troca de opiniões, disparamos contra aqueles que ousam lutar pela vida. É simples falar quando, sem lhe atribuirmos valor, temos uma vida recheada de tudo. É fácil opinar sobre a vida alheia sem nunca pensarmos, vestimos a farda de privilegiados, sem assumir as dores alheias. 

 

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Somos, todos os dias, bombardeados com imagens negras de homens, mulheres, crianças e idosos que, na ânsia de viver, aventuram-se por terra e mar a caminho de uma nova vida. Enfrentam, com valentia, os perigos, acreditando que se trata de uma fase difícil que em breve ultrapassaram. Arriscam a vida, engolem os medos, mergulham nos sonhos de uma vida para si e para os seus um pouco melhor daquela que abandonaram. 

 

Criticamos. Julgamos. Falamos. Solucionamos. É fácil tudo isto quando não somos nós. É fácil erguer muros e barreiras, travar entradas, devolver às terras e esquecermos que as vidas por detrás das nacionalidades ou religiões. É fácil fecharmos os olhos aos problemas, esquecermos a História, desresponsabilizarmos. Quero eu, que escrevo no conforto da minha casa, do meu sofá, através de um privilegiado computador, não critico, não julgo, não soluciono... porque escrevo e falo sobre vidas. É urgente uma solução humana, para lá das estatísticas, nacionalidades, religiões... porque é de homens, crianças e mulheres que falamos. 

 

É fácil falar quando não somos nós, um amigo, um familiar, um vizinho, um conhecido a quem vemos lutar pela vida. Impõem-se a questão... se fossemos nós? E se fossemos nós?

 

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*(publicado a 27.08.2015 e novamente publicado)

Nunca gostei destas duas palavras...

emigração

1. acto ou efeito de imigrar

2. saída voluntária do local onde se vive para se estabelecer noutro

3. conjunto de pessoas que emigram

 

imigração

1. acto ou efeito de imigrar

2. entrada de estrangeiros num país com o fim de nele se estabelecerem

 

Quem é que não conhece alguém que esteve ou está numa situação idêntica? Um familiar, um amigo, um conhecido?

Uns meses antes de terminar o curso, ainda antes de imaginar as voltas que a vida dava e quando se debatia sobre o futuro, a maioria dos meus amigos diziam que queria sair de Portugal. Porque aqui não à emprego, Porque este país não vale nada, Porque se eu conseguir ir para aquele país vou conseguir fazer coisas que cá nunca poderei, porque isto e aquilo e outros argumentos mais para se querer fazer parte da larga camada de jovens lá fora. 

Eu não. Argumentava que este país ainda tinha muito para dar e que só aceitaria a hipótese de abandonar o país quando começasse a perder completamente a esperança, quando começasse a enviar centenas de emails com o meu currículo e ninguém me respondesse. Porque vi partir uma amiga e, sempre que chega o último dia de férias, me parte a alma vê-la chorar e despedir-se da mãe e da irmã... Sobretudo porque, contrariamente à maioria dos meus amigos, eu sou filha e fruto da emigração dos anos 70.

Na época, como agora, muitos foram os portugueses que abandonam o país na esperança de, um dia, conseguirem um futuro melhor. No país que os acolheu, como tantos portugueses, com o pouco dinheiro que tinham conseguiram criar uma vida estável. Por entre lágrimas, dificuldades e amarguras, os meus pais conseguiram abrir o próprio negócio e colocar os dois filhos pequenos um dos melhores colégios privados da região à época. Durante muitos anos viveram bons e maus momentos no país que os acolheu. Porém, a crescente insegurança e violência no país que me viu nascer, obrigou-nos a medidas mais drásticas e, assim, privar-me de pai durante cerca de dois anos - tempo para resolver questões legais e burocráticas, entre outras coisas. 

Já em território português e embora ainda pequena, senti na pele o que era ser uma estrangeira: alvo de gozo dos colegas por não saber uma única palavra de português, colocada de parte pela professora por qualquer motivo que nunca entendi. Durante anos não me senti portuguesa e pedia insistentemente aos meus pais que regressassem ao país que me viu dar os primeiros passos. Queria saber como era viver nele, como era a sua história e as suas gentes porque cedo me foi negado conhecer. Pedi a todos os "santos e mais alguns" para que esse dia chegasse até, finalmente ganhar consciência de que esse dia dificilmente chegaria. Aceitei-me com sendo portuguesa, descobrindo o que mais me fascinava neste país... provavelmente, a riqueza histórica, o passado de vitórias e conquistas tão belas de um pequeno país. 

Provavelmente e contrariamente aos meus colegas que tanto mal falam de Portugal, tenho um orgulho imenso por este pequeno país à beira mar planto. E, sobretudo, eu não me quero ir embora. Não quero virar costas, mais uma vez, a um país que tanto amo e a matar saudades uma a duas vezes ao ano. 

Costumo dizer que os meus pais ficaram órfãos de Portugal quando foram obrigados a abandonar o país em busca de uma vida melhor. Sou filha da emigração e órfã do meu país porque nunca se vive em paz. Voltar a partir é ficar novamente órfã...

Por tudo isto e porque me soam terrivelmente mal, odeio as palavras emigração e imigração, porque nelas não me quero incluir, porque traduzem dor, lágrimas, sacrifícios, ausências... mas, sobretudo, porque parecem palavras cada vez mais próxima de mim. 

 

Quero mudar de cidade, não de país...