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Um Mar de Pensamentos

... nasce do desejo inconstante de partilhar um pouco de mim e do que sou numa espécie de diário. Resumo-me em: Maria, 32 anos, signo gémeos, amante de livros, sonhadora, romântica, dramática q.b., viciada em chocolates.

Um Mar de Pensamentos

... nasce do desejo inconstante de partilhar um pouco de mim e do que sou numa espécie de diário. Resumo-me em: Maria, 32 anos, signo gémeos, amante de livros, sonhadora, romântica, dramática q.b., viciada em chocolates.

Porque hoje é o,

Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulher *, vou contar a história de uma menina-mulher a quem, um dia, lhe bastou um estalo do (suposto) príncipe encantado para por fim à violência psicológica.

 

Começa assim...

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 (in Shiuuuu)

 

Era uma vez, uma menina tímida e introvertida que sonhava todas as noites com o seu príncipe encantado. Um príncipe que gostasse dela, tal como era, protegendo-a e cuidando-a. Acreditava que, um dia, quando fosse adulta, encontraria esse príncipe e, todas as noites fazia o mesmo pedido ao céu e às estrelas: um príncipe como o dos contos das princesas e fadas que a mãe tantas vezes lhe lerá.

 

Os anos, meses, semanas passaram-se e esta menina cresceu mergulhada na insegurança e nos medos: todos lhe diziam que era feia e gorda, que nunca encontraria ninguém. Os dias de sol e calor sucederam-se aos dias de chuva e frio, a vida não parava e, a cada novo ciclo, a menina agora feita uma jovem tornava-se mais fechada. Acreditava nas palavras de cada amiga, de cada colega, achava-se feia e gorda e acreditava piamente que, alguém como ela, nunca teria um príncipe encantado que lhe dissesse o oposto. 

 

As noites deram lugar aos dias, os dias às noite e, a agora mulher, chegou à Universidade sem saber o que era amar-se a ela mesma, o sabor de um beijo ou o abraço apertado de alguém que nos ame. Num corpo de mulher, escondia-se uma menina insegura, tímida, introvertida, acreditando que a vida destinará para ela a solidão... e, quando lhe perguntavam se já tinha namorado, sentia que o mundo a julgava como se de uma falhada se tratasse, porque com a idade de vinte e dois anos já deveria ter tido, pelo menos, um namorado e saber o que se sentia a beijar alguém. 

 

Um dia, nem ela sabe muito bem como foi ou porquê, conheceu aquele que acreditava ser o seu príncipe encantado. Os olhares cruzavam-se na mesma rua e, das primeiras trocas de palavras ao primeiro encontro, as semanas fizeram-se passar rápido. Ele dizia-se encantado pelo sorriso dela e ela, ainda sem se amar, achava que tinha encontrado um amor dos contos de fada. A menina-mulher sentia-se feliz e, quiçá, pela primeira vez, descobriu o que era sentir-se protegida. Do primeiro encontro ao primeiro beijo e consequente início de namoro passaram alguns dias e no rosto estampava um sorriso e um brilho especial no olhar. Já sabia como era sentir a barriga com borboletas e o sabor de um beijo: a pastilhas de menta que ele mastigava para disfarçar o hálito a cigarro, que ela detestava... provavelmente, o único defeito que lhe encontrou no primeiro mês de namoro. Não viu como defeito as humilhações em público, quiçá com dois meses: como aquela vez em que lhe disse que não passava de uma burra porque não sabia a marca de um automóvel ou o significado de uma palavra em inglês; nem daquela vez em que, na companhia de uma amiga, lhe chamou palerma e estúpida porque deixará entornar o café... Também não viu como defeito a noite em que ele lhe pedira o telemóvel para lhe ver as mensagens ou o filme ciumento que imaginará por passar a tarde a trabalhar com os colegas de faculdade (e, somente, porque não tinha ido com a cara deles). Tanta coisa que ela não viu (ou que não quis ver), mesmo quando a tentaram alertar, quando a amiga lhe disse que o único futuro dos dois era com ele a bater-lhe... Nem mesmo quando, distantes de casa e em acesa discussão, ele a mandou sair do carro aos gritos, mandando-a para casa a pé (e, (supostamente) arrependido, prometeu não voltar a fazer o mesmo... repetindo um semelhante episódio algumas semanas antes de completarem um ano de namoro). A menina-mulher não viu nada disto porque tinha medo da solidão, não viu como ele jogou com os seus medos e brincou com ela, lhe destruir a já frágil auto-estima e confiança. Acreditava que, com paciência, amor e a ajuda do tempo o mudaria (a palermice das mulheres acharem que conseguem mudar um homem); porque ele lhe prometera controlar o feitio impulsivo... não a queria perder e ela acreditou. Não tinham nem um ano de namoro (ou a morar juntos, como ele tanto desejava) e já tinham passado por tanto... 

 

A realidade atingiu-a dura e fria quando, certa tarde e já depois de celebrarem o primeiro ano de namoro, ele lhe deu um estalo, atirando-a contra a parede e gritando-lhe que, por ser gorda, mais ninguém a amaria como ele a ama. A menina-mulher deixou-se escorrer pela parede, lavada em lágrimas, confusa, envergonhada, revoltada; enquanto ele se refugiava nos cigarros. Passaram-se minutos, quase horas, quando ele regressou mais calmo, prometendo que não voltaria a fazê-lo, que a culpa era dele e do descontrolo que não controlava. Não foi naquele dia que terminaram mas, algumas semanas depois, a frágil e magoada menina pediu-lhe que terminassem, que já não amava, que precisava de tempo para si. Perguntou-lhe se era mesmo aquilo que queria fazer, alertando-a que, uma vez terminado não haveria retorno... e, assim foi.

 

Bastou um estalo para compreender o que não queria para a sua vida: um príncipe ciumento, impulsivo, controlador, que a fragilizava e a humilhava e onde (certamente) depois do primeiro estalo, se seguiria o segundo, o terceiro, o quarto...

 

Esta é a história das Antónias, Marianas e Joanas. De tantas meninas que sonham um príncipe encantado e se tornam mulheres vítimas de violência... daquela que lhes destrói a confiança e os sonhos, daquela que as mágoa e as marca para todo o sempre, uma dor física e uma dor psicológica. Um príncipe que as marca para sempre, pouco importa o tipo de relacionamento. Esta é a história das Sofias, Marias e Alexandras que tentam esconder, pela vergonha e revolta, a história que poucos conhecem... Uma história ficcional com tanto de real... ou será que andarei assim tão longe da realidade? Mudam-se os detalhes, mas o cenário é quase sempre o mesmo...

 

* (seria mais justo e igualitário chamar-lhe somente Dia Internacional pela Eliminação da Violência (ou de Género, algo assim, mais abrangente)... porque não é só de mulheres que se veste a violência física e psicológica)

 

** (é uma história fantasiada com detalhes de uma realidade próxima e de realidades que li e ouvi)