12 | Na minha estante... Dispara, Eu Já Estou Morto.
Oitocentas e quarenta páginas depois e, confesso, as palavras escasseiam para descrever este Dispara, Eu Já Estou Morto. Não porque tenha sido o melhor livro que li até hoje mas, essencialmente, por tudo o que me obrigou a aprender.
Não é um livro fácil de ler, tão pouco de leitura leve ou simples. Dispara, Eu Já Estou Morto exige tempo, muita dedicação e uma especial atenção. É daqueles livros que deve ser saboreado a cada página. É, muito mais do que um romance, é uma viagem pela história de uma religião e fé, a dos Judeus. Dos progoms da Rússia czarista à II Guerra Mundial, das expulsões dos Reis Católicos em Espanha aos conflitos armados do presente no Estado de Israel.
Julia Navarro convida-nos a viajar pelas cidades São Petersburgo, Paris, Toledo, Jerusalém, Varsóvia e Berlim palco dos principais acontecimentos na vida de uma família judaica, os Zucker. Perseguidos na Rússia dos czares pela sua condição religiosa, os Zucker apenas querem viver, antes demais, como russos, fugindo ao estigma da fé. Porém, o destino brinca com os Zucker e, tal como outros milhares de judeus, a família vê-se obrigada a fugir para viver, primeiro para Paris e, posteriormente, para a Palestina. E, nesta nova terra, os judeus Zucker conhecem os Ziad, uma família de muçulmanos palestinianos. A vida das famílias funde-se em laços fortes de amizade onde, a religião parece ficar para segundo plano. Porém, mais uma vez, o destino brinca com os Zucker, através de uma série de acontecimentos que não podem controlar, reflexo das escolhas de quem os lidera, distanciando-os dos Ziad.
Mais do que duas famílias em luta contra o destino, é o reflexo de tantos judeus, pela sobrevivência e por um pedaço de terra, onde possam viver sem serem perseguidos, humilhados, expulsos ou exterminados pela condição de serem judeus. Mas, é também a luta dos muçulmanos palestinianos pela terra onde sempre viveram. Dispara, Eu Já Estou Morto é, portante, um romance inesquecível sobre o conflito que divide à várias décadas israelitas e palestinianos.
É impossível ficar indiferente ao romance de Navarro. Há momentos extremamente duros; como, por exemplo, os detalhes sobre a vivência nos campos de extermínio dos nazi... são, na verdade, verdadeiros murros no estômago - admito, tive de saltar texto para fugir às lágrimas.
O romance de Julia Navarro está longe de ser perfeito, contando com alguns aspectos negativo. Por um lado, todo o desfilar de personagens: a dado momento do livro, tive de parar e reflectir sobre aquela personagem - a origem religiosa, familiar ou a ligação às famílias - tornando-se difícil, a dada altura, criar afinidades com determinando homem ou mulher que, tão depressa entrava em cena como desaparecia. Por outro lado, o correr de momentos e nomes da História obrigam-nos a uma certa reflexão. Por fim, a estrutura narrativa, ora no presente ora no passado, também não ajuda.
Se, por um lado Dispara, Eu Já Estou Morto, está longe de ser um livro excelente, por outro, a obra da espanhola Julia Navarro é magnífica pela aprendizagem que nos obriga a fazer sobre o passado dos judeus mas, igualmente, pela reflexão sobre a luta dramática de homens e mulheres a um pedaço de terra onde viver em paz. E, por tudo isto, ainda assim, recomendo a sua leitura.
- (...) Sabes uma coisa, Ahmed? Parece-me absurdo que nós, os homens, lutemos por acreditar que o Deus ao qual rezamos é melhor do que o Deus dos outros.
* (mais informações sobre a autorora e o livro em Bertrand Editora; outras frases em Dos Meus Livros)
** (no Goodreads há este esquema sobre as famílias e personagens retatratas no livro)