Livro, José e os cravos.
Equador, Miguel Sousa Tavares.
Numa tarde, recentemente, em que me dedicava à leitura de algumas páginas de Equador, um senhor interrompe-me a leitura, pedindo desculpas por roubar a minha atenção daquelas páginas. Levantei os olhos, deparando-me com um senhor de idade, mais de 60, vim a descobrir posteriormente, rosto marcado do tempo e um sorriso aberto. Sorri e respondi-lhe, com aberta sinceridade que, do que já tinha lido, estava a gostar embora pecando pelo excesso de descrição e falta de diálogos tornando-se penoso. Novo sorriso. Partilhamos a mesma opinião.
Sabe de quem é filho o Miguel? - pergunta-me, com alguma hesitação.
Procuro na memória aquele nome bonito, de uma mulher que gostava, respondo, satisfeita por me recordar dela - Sim, é filho de Sophie de Mello Breyner.
- E sabe quem é que ela foi? - pergunta-me o idoso, como que a tentar descortinar a minha cultura literatura. - Óbvio que sei, li livros dela! - respondo-lhe após uma pequena gargalhada. - Escritora. Poetisa. Gostava imenso d' A Menina do Mar.
Ele sorri, um sorriso rasgado de quem já viu e ouvi tanto e, diz-me - Sabe, eu convivi muitos anos com ela e com o pai do Miguel. Sabe quem ele era?
- Não, o pai não sei quem era mas, sobre a mãe, digo-lhe que é um privilegiado. Adorava tê-lá conhecido.
Um olhar nostálgico apodera-se dele. Perde-se nas memórias. Sorri-me como se tivesse acabado de descobrir alguma coisa, lá no fundo da alma das lembranças.
- Chamava-se Francisco. Era um dos melhores advogados daquele tempo. Sabia que ele teve um papel fundamental na revolução do 25 de Abril?
- Não, não sabia... - e deixo o velho senhor continuar a divagar, nas lembranças de uma revolução.
Misturado nos sons típicos de um café, as memórias daquele senhor levaram-me a viajar ao antes e durante da revolução de Abril e a conhecer um pouco do pai de Miguel Sousa Tavares. Falamos das prisões políticas, das restrições do dia-a-dia, da forçada emigração a que se viu levado aquele idoso, das histórias contadas daquele tempo e que relembro de escutar do meu professor de História... e, sobre o presente. Um pouco de política, de juventude e do papel importante da História. No espaço de pouco mais de meia hora, fomos do passado, ao presente, ponderando o futuro. Nunca conheceu o Miguel mas, foi graças a ele, a Equador, que viajei à era da revolução de Abril. José, o nome do idoso que me dá a conhecer uma história que eu não vivi.
Porque ler também é isto... pausa de uma viagem para embarcar noutra de histórias reais.
O 25 de Abril que não vivi, não senti, das transformações que não recordo. O 25 de Abril que conheço dos livros e manuais escolares, das palavras dos meus professores de História, dos jornais e revistas. O 25 de Abril dos cravos e das revoluções, da liberdade e mudanças.
Liberdade, palavra tão cheia de sentimentos, significado, importância. Para quem, como eu, nasceu no pós-Abril de 1974, provavelmente, tal como outras datas recheadas de História, pouco lhe diga. Mas, a verdade é que, sem os Franciscos, Sophies e Josés de 1974, quiçá o significado de liberdade fosse outro... ou, talvez a História se pintasse noutros tons.