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Um Mar de Pensamentos

... nasce do desejo inconstante de partilhar um pouco de mim e do que sou numa espécie de diário. Resumo-me em: Maria, 32 anos, signo gémeos, amante de livros, sonhadora, romântica, dramática q.b., viciada em chocolates.

Um Mar de Pensamentos

... nasce do desejo inconstante de partilhar um pouco de mim e do que sou numa espécie de diário. Resumo-me em: Maria, 32 anos, signo gémeos, amante de livros, sonhadora, romântica, dramática q.b., viciada em chocolates.

Condenação, pena de morte e o perdão.

Pena de morte. Recordo-me, dos tempos de faculdade, falarmos deste tema sensível. Na altura, assisti a uma conferência organizada pela Amnistia Internacional sobre a temática, onde um ex-condenado norte-americano relatava a sua experiência de anos a fio no corredor da morte. Não me lembro dos pormenores exactos do crime mas, o Homem foi julgado e condenado à pena capital pela morte violenta da Esposa (e, creio que de um outro homem encontrado na casa que, se supôs ser o amante). A base foi o testemunho de alguém que os ouviu a discutir na noite do crime; o casal discutia com frequência e esse foi o mote para a condenação. Recordo-me de ele referir que, de facto discutiram com mais frequência nos meses anteriores à morte da Esposa mas, contrariamente à acusação, nunca lhe tinha batido e na noite em que a ela foi assassinada não se encontrava em casa. Mas, baseados na cena do crime e nas discussões que alguém testemunhará, o Homem esteve anos e anos à espera do momento em que lhe seria aplicado o método que lhe retiraria a vida. Anos e anos em suspenso, reclamando inocência, duas ou três vezes às portas de cumprir a pena, travadas pela acção do advogado. A reviravolta acabaria por acontecer muitos e longos anos mais tarde - não me lembro exactamente de que modo - e, com ela, a ansiada inocência e liberdade. Esta história marcou-me profundamente. Os anos à espera da morte, os anos de prisão, os anos em que a liberdade lhe foi roubada. Por maior que tenha sido a indemnização quem, perguntava ele, lhe devolveria os sonhos e projectos que lhe foram roubados naquela noite... ninguém ou nada. 

 

Michel foi condenado por alegadamente ter assassinado um camionista durante um tiroteio. Não foi condenado à pena de morte mas esteve 36 anos - repito, 36 anos - preso. Michel reclamou, ao longo dos anos, inocência. Recentemente, provou-se que nada teve a ver com a morte do camionista. Os primeiros momentos de liberdade foram registados por várias câmaras de todo o país,

 

(daqui)

 

Quando leio casos como o de Michel, mesmo que não tenha sido condenado a ficar sem a vida numa qualquer sala, relembro-me daquela conferência que assisti à anos atrás. Relembro-me de debater com os meus colegas, de as opiniões se dividirem entre o a favor, o contra e o meio termo. Fiquei-me pelo contra. Não sou a favor embora, admita que vacilo bastante, que não seja uma opinião segura... sobretudo, em questões de violação ou de crimes contra a humanidade (como exemplos, crimes perpetuados por ditadores). Perguntaram ao Homem sobre a pena de morte para estes crimes, a resposta deixou-me a pensar e de que serve matar outrem se não devolvemos a vida daqueles que mais amamos?; sobre a solução/pena, para ele, a solitária, onde não contactasse com ninguém.

 

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 (in Público)

 

Recordemos os atentados à maratona de Boston, em 2013, nos EUA. Tamerlan, na época, com 26 anos e Dzhokhar, de 19 anos, irmãos nascidos na Chechénia, a viver legalmente naquele país, mataram através de bombas construídas em casa, três pessoas, deixando vários feridos e instalaram o pânico em quem assistia. Martin, um menino de oito anos, foi uma das três vitimas dos irmãos. Os pais do menino, todavia, não querem que seja aplicada a pena de morte a Dzhokhar porque, consideram que tal condenação não lhes devolveria de Martin nem curaria as sequelas físicas e emocionais. Nada nem ninguém lhe devolverá o menino ou apagará o horror daqueles dias. É importante referir que, os pais e a irmã de Martin, ficaram com graves marcas físicas, que os acompanharam até o último dia das suas vidas. 

 

Por esta altura, por mero acaso, li um livro dos livros que mais me marcou. Estrada da Noite de Kristin Hannah leva-nos a reflectir sobre a morte, o amor e o perdão. Jude vive para os filhos, os gémeos Mia e Zach, e para o marido. Lexi é uma jovem que nunca conheceu o verdadeiro significado de família e entrará na vida de Jude e dos gémeos, transformando-a irreparavelmente. A tragédia marcará o destino de Jude e Lexi... Estrada da Noite é, provavelmente, um dos temas que, embora longe de estar relacionado com a pena de morte, nos leva a pensar no caso dos pais de Martin. Para Jude, a única forma de acalmar a dor que sente é condenar a culpada pela tragédia. Porém, os anos passam e a dor não diminui. Embora acha relações de proximidade e familiaridade em Estada da Noite, que não existem entre Dzhokhar e os pais de Martin, a verdade é que a linha de pensamento dos últimos se aproxima à do livro, deixando a questão a prisão apaga o crime?

 

A pena de morte, a condenação e o perdão são temas sensíveis. É difícil saber o que realmente sentiríamos se fossemos acusados de um crime que não cometemos, como o Homem e Michel e, consequentemente, passar anos à espera de cumprir uma pena irremediável, a morte. É, igualmente, complicado viver com a morte de um filho e as marcas que sempre, a um novo dia, lá estarão para recordar a tragédia. 

 

Quando leio sobre mortes violentas às mãos dos maridos, mães, avós ou qualquer outro familiar, sobre violações como esta notícia ou sobre os atentados cometidos contra milhares de vidas às mãos de uns quantos poderosos penso, imediatamente, que deveria ser condenados à morte. Mas, depois, recordo-me de casos como os que relatei acima e, enfim, a opinião altera-se e atirava-os para uma das celas mais degradante e solitárias. Quatro vidas marcadas pela justiça de outros homens - o Homem, Michel e os pais de Martin. Quatro vidas que me levaram a reflectir, ponderar e duvidar.

 

E, a que veio isto tudo, nesta salada russa? A propósito da história de Michel, dos seus 36 anos de prisão e da experiência de pedir algo tão simples para mim, como uma hambúrguer... repito, 36 anos a reclamar inocência, 36 anos a viver numa prisão.

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